Jussara Salazar é poeta, artista plástica e pesquisadora. Mestre em Estudos Literários, atualmente faz doutorado na Escola de Comunicação e Semiótica | PUC-SP, pesquisando as formas do sagrado na arte e nos livros de magia. Publicou Inscritos da casa de Alice [1999], Baobá – Poemas de Leticia Volpi, [2002], Natália [2004], Coraurissonoros [2008] e Carpideiras [2011]. Links: http://jussarasalazar.wordpress.com/ www.lagioconda.art.br,
De como MARIA, a degolada subiu ao CÉU
para cantar Oito LOAS:
RESPONSO MUDO
calarás
não dirás que
não ainda que
fie o êxtase
não a cruz
não rimbauds
mas mefisto
para que vistas
o nada disto
não o teu
mas o hostil
nada honor
ou reino que
e não às três
não mesmo que
te façam crer
nada dirás
o verso em dobro
e restarás
apenas tu
o teu salobro
2
RESPONSO PÁSSARO
maria da glória
voa guerra findou
ora pro nobis
teu voto ao óbvio
teu corpo revolve
a hora o relógio
a extrema cantiga
desvestida
maria do sol
maria da vida
agora infunesta
na flor malparida
maria andaluz
no amor dividida
ora ao rio
o sinal-da-cruz
maria dos reis
se a morte nos ronda
maria oxalá
à capela conduz
o cordeiro e a graça
aplaca o frio
semeia a lavoura
e segue a canoa
**********************************************************************************
A porta dos sonhos:
luce bakun
Bakun quer reza. Mas continua deitado, e as borboletas cobrem seu corpo. São muitas, de todas as cores e fazem ruídos na sentinela, mas ele não acorda, não levanta. Uma nuvem de cigarras estridentes passou em revoada e mesmo assim Bakun ainda dorme. Sua matéria é espessa, azul, de todas as cores como as borboletas. Seus nervos vermelhos estão quietos. Ali adiante tem uma porta, bem à frente quando abre vê-se um céu, um abismo, uma serpente digerindo a vida. Se ele resolvesse levantar, poderia dirigir-se até à porta, ser engolido pela serpente da vida. Mas continua deitado entre as velas. Sua voz, em falsete, canta suave voz embala los niños que também, como ele, dormem. Ainda é cedo. Ainda há ouro nessa morada. Clareia Bakun. Clareia.
aparição
A procissão passou, o Senhor dos Suplícios carregado,
– De onde vens?
– Minha pele queima, sangue sagrado do tempo.
– E tu?
– Meu anel azula o céu, puro ouro.
A pedra bateu no chão oco da pedra, vão vazio
surdo golpe de punhal.
A coral entrecortou os pés do Senhor
e deslizou suave entre as flores.
Graça de Santa Luzia, dai-me olhos de serpente
e um coração com o perfume das rosas.
Ofício
minha irmã lava os pés
na bacia de louça
quando é dia de
santa rita das flores
veste a saia de linho
amarelado na gaveta de
tanto inverno
tantos amores
e segue a procissão
segura na palma da mão
o caule das rosas miúdas
atrás da dor dos passos
do senhor morto
minha irmã colhe o vento
que varre o assoalho
no fim da tarde fria
quando as árvores desfiam
seu lamento na textura
da lã
que fala da língua do pasto
da terra para lavrar
da ceifa à erva daninha
então minha irmã
guarda
o minuano no lenço
segura o tempo
que os sinos anunciam
o barro estranho
que marca
as noites de dezembro
——
Senhor
que as nossas vacas andem prenhes
e as ovelhas plenas de lã
que a chuva prepare a terra
no estrume pungente da manhã
e fecunde os campos
Senhor dai-nos o canto
dos doidos desenganados
dos lobos esganiçados e os frutos senhor
bicados marcados apodrecidos no chão
em que os pássaros os estranhos pássaros
revolveram exalando semeando
transpirando latejando
revirando a terra em busca de outro amanhã
O CORO DAS OVELHAS DO SENHOR REZA A TERRA.¾
9 Esta terra magra está bem abrigada/ guardará o corpo
e sobre ela um sopro/ dirá uma flor a cada badalada
10 Esta terra farta está revirada/ guardará o amor será
sentinela e morada/ dirá um dia o mosquito ao filho da
mulher amada
11 Esta terra muda está saciada/ guardará o sol no
ventre sete vezes sete palmos/ dirá o coração aos homens
do pasto/ pois o chão da terra é vasto
12 E as formigas desvairadas subiram a cruz/ numa fiada
fim